Cinema Independente em Ijuí: ajudando a formar um cenário cultural na cidade

A cidade de Ijuí sempre possuiu uma história cultural vasta no noroeste do estado, conhecida como Colmeia do Trabalho e Terra das Culturas Diversificadas, essa relevância se estendeu em relação aos cinemas. Em 2006, após o fim das atividades do Cine América e do Cine Serrano, foram criados vários projetos sem fins lucrativos. Historicamente a cidade teve dois cinemas, o primeiro foi o Cine Serrano, criado em 1948 e localizado no centro próximo à praça da república, que contava com 700 lugares. O Cine Serrano encerrou suas atividades na década de 80, quando os avanços tecnológicos da televisão e das locadoras chegaram em Ijuí.

O segundo cinema da cidade foi o Cine América que tinha capacidade para 900 pessoas e seguiu suas atividades até 1998, quando fechou temporariamente. A segunda iteração do Cine América durou até 2006 quando o cinema foi obrigado a fechar suas portas definitivamente devido a problemas financeiros, na época em entrevista concedida à Unijuí o proprietário Flávio Fantinelli afirmou que gostaria de ter conseguido mais de R$ 500 mil reais para reformular o Cine América, mas como não obteve o dinheiro a única solução encontrada foi fechá-lo, pois não conseguia pagar as despesas com o dinheiro da bilheteria.

Além de exibir clássicos comerciais de diferentes épocas, desde “Os Cavaleiros da Távola Redonda” e “Mazzaropi” até os mais recentes “Titanic” e “Matrix”, o Cine América também se engajou em iniciativas culturais e educacionais durante suas cinco décadas de atividade.  Além das parcerias com escolas e sessões grátis ocasionais, uma das práticas mais prevalentes era a promoção das tardes e noites de sexta-feira como a “sessão cultura”, onde filmes sobre cultura e arte eram oferecidos com um desconto aos moradores de Ijuí.


Fachada do Cine América em 1955. Fonte: acervo do Museu Antropológico Diretor Pestana

Após o fim de ambos, Ijuí passou 12 anos sem uma sala cinematográfica. Durante esse período foram criados grupos e movimentos que pediam a volta dos cinemas, e o tema virou até mesmo promessa de campanha política durante as eleições municipais. No entanto, foi somente no ano passado que iniciativas privadas voltaram suas atenções para os cinemas em Ijuí, com a inauguração de duas salas do Cult Cinemas e a construção de mais duas salas do grupo Cine Globo que está há mais de 60 anos em Três Passos, Palmeira das Missões e Santa Rosa. O prédio já está com suas obras em andamento e terá uma área de aproximadamente 1.800 m² construídos e com a capacidade de 140 pessoas por sala.

Durante esse período de escassez de cinemas na cidade, vários projetos sem fins lucrativos iniciaram suas atividades com o enfoque no aspecto sóciocultural do cinema e na sua função como ferramenta na formação e na construção do caráter social. Luciana Mai conta que foi realizada uma primeira exibição, no Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro), de um documentário chamado ‘A Rebelião dos Pinguins: Os Estudantes Chilenos Contra o Sistema’, do diretor Carlos Pronzato. Ele foi uma grande inspiração para a construção de ideias do Cine Utopia, por ser um cineasta militante que produz filmes como ferramentas de ampla difusão da luta popular e do resguardo da memória, sem abandonar a importante possibilidade de entrar no mundo acadêmico. Quanto os objetivos do projeto, Luciana também comenta que o grupo deseja desenvolver uma espécie de tripé entre cultura, educação e sociabilização que faz uso do audiovisual como uma ferramenta de leitura de mundo, o que faz do Cine Utopia uma ferramenta de transformação social.

Nos anos seguintes, o Cine Utopia passou a realizar sessões mensais de filmes e documentários exibidos gratuitamente. Ainda que com dificuldades na divulgação das sessões, o projeto alavancou e começou a promover debates entre os participantes, estimulando a discussão e a pluralidade de ideias. Ana Heizzman, que também participa do projeto desde o seu início, comentou que “a partir das exibições mensais o público começou a comparecer e foi elaborada a proposta de trazer um filme que as pessoas possam pensar e refletir sobre ele e que em conjunto o grupo possa trazer discussões e ideias, não só sobre o filme, mas também sobre a vida em sociedade” Outra iniciativa de cinema em Ijuí é o projeto Cinema e Direitos Humanos, que está vinculado ao programa de pós-graduação em Direito da Unijuí, que desde 2015 se propõe a promover a educação em direitos humanos a partir da linguagem cinematográfica. O projeto realiza sessões mensais de filmes cuja temática possa promover a discussão relativa aos Direitos Humanos, as sessões são sempre debatidas ou comentadas, seja por alunos dos programas de pós-graduação da Unijuí, convidados externos, ou até mesmo professores.


Sessão do projeto Cinema e Direitos Humanos durante o domingo no Campus em abril de 2019 Foto: Acervo Projeto Cinema e Direitos Humanos

As exibições são abertas ao público e ocorrem de uma forma não muito rígida, a ideia é que o filme seja exibido e depois seja feita uma roda de conversa a respeito dele, então a figura do aluno ou professor debatedor é a pessoa que vai estimular o debate sobre o filme que acabou de ser exibido. O coordenador do projeto, o professor Maiquel Ângelo Dezordi Wermuth afirma “que a linguagem cinematográfica tem esse potencial de promover discussões, por que a imagem associada a um texto fala mais do que o texto por si só acreditando que o filme tem o poder de evocar sentimentos, de criar questões para o debate e consequentemente para a conscientização a respeito dos Direitos Humanos.” Em sua história, o projeto Cinema e Direitos Humanos realizou grandes sessões que envolveram alunos da Unijuí, alunos do Centro de Educação Básica Francisco de Assis – EFA, pessoas ligadas a movimentos sociais e a comunidade em geral, ajudando a aproximar o mundo acadêmico da realidade ijuiense. Wermuth também enfatiza: “o engajamento da comunidade e da universidade é fundamental, sendo o projeto aberto PARA todos da universidade e também para Ijuí que tem interesse em participar das sessões, dendo necessário ter um espaço adequado para desenvolver um projeto desse tipo e a Unijuí fornece todos esses meios ao projeto”.

Por: Alexandre Pereira, Giovanni Pasquali, Rafael Preuss

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